Eu, você e a miséria
sábado, 1 de maio de 2010
00:46
Postado por
Marcos Nunes
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Artigo publicado em Dezembro de 2009 no Portal Interdenominacional.
Forte Abraço!
Marcos Nunes
Outro dias desses eu estava indo para o meu "sagrado jogo de volei de toda sexta-feira", mas o trânsito estava muito ruim no Rio de Janeiro por conta da chuva e dos acidentes na principal via expressa da cidade. Percebi que estava muito tarde e que o jogo não iria acontecer. Resolvi descer do ônibus no meio do caminho, em um centro comercial e pegar outro ônibus em direção a minha casa.
Quando estava numa rua com muitas lojas, às 20:30hs, percebi que ainda haviam muitas lojas abertas por conta do natal, mas já não tinha tanta gente perambulando na loucura das compras de fim de ano. Não perdi tempo, aproveitei a rara e preciosa oportunidade de entrar numa loja vazia nesta época do ano e comprei algumas roupas necessárias.
Segui meu caminho até a rodoviária urbana do bairro e fiquei na fila. O cenário era clássico para uma sexta-feira: Uma fila cheia, o ônibus não chegava, a fila era ao lado de um bar, a calçada cheia de "mesinhas", as "mesinhas" cheia de gente, pessoas cheias de cerveja e as mentes buscando alguma maneira de esquecer as crises do lar, do trabalho e das dívidas.
Quando eu menos esperava percebi um vulto passando ao meu lado, o som altíssimo do DVD do grupo de pagode no bar me impedia de ouvir, mas meus olhos estavam diante de uma mulher maltrapilha, com uma criança no colo e a boca se mexendo em minha direção. De certo que estava pedindo alguma ajuda, a poluição sonora não me deixou ouvir e entender nada o que ela havia dito, mas o meu subconsciente foi ativado e o meu corpo respondeu com uma boca se mexendo sem emitir muito som e a cabeça meneando: Ela entendeu que minha resposta era negativa ao seu pedido e seguiu pela fila na sua "via crúcis".
Meus olhos foram acompanhando aquela figura quase mitológica. Os minotáuros eram criaturas formadas de duas partes: metade homem e metade touro. Aquela figura que caminhava naquela fila era metade "mulher-desesperada-pedindo socorro" e metade "criança-faminta-sem futuro".
Ela segui na fila do meu ônibus que tinha 6 ou 7 pessoas e cena se repetia de forma que minha retina ficava cada vez mais marcada e minha alma cada vez mais doida. A fila do meu ônibus acabou para ela, mas para mim continuava e ela passou para fila do ônibus ao lado e, qual não foi a minha triste constatação, senão que na outra fila só haviam cabeças meneantes e nenhuma mão a se estender. Uff.. é duro relembrar estas coisas! Mas nem imagino como seja vivê-las. E você?
É neste ponto que eu queria chegar. Como é que eu e você temos olhado para o cenário social da nossa cidade? Como é que eu e você nos sentimos quando vamos fazer compras de presentes no final do ano sabendo que há tanta gente sem dignidade andando pelas ruas? Como é que eu e você olhamos para o rosto de uma criança faminta e de uma mãe desesperada? (Eu confesso que tenho sérias dificuldades em olhar nos olhos e de encarar)
O que é que eu e você temos feito para mudar a situação dos que nos cercam?
No capitulo 25 de Mateus Jesus fala sobre um certo momento em que Ele fará distinção entre as ovelhas e os bodes: "Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;"(Mt 25.35 e 36)
"Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;
Porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber;" (Mt 25.41e 42).
Não que eu tenha medo deste dia por causa de mim e das minhas obras especificamente, mas o que me deixa preocupado a respeito deste dia é imaginar o coração do Senhor lamentando o fato de que a humanidade, que foi alvo de seu amor desde sempre, não entendeu que as obras não tem origem ou fim em si mesma e que o amor deve ser um grande e caudaloso rio que tem sua nascente no coração de Deus e vai ganhando novos afluentes, que são as pessoas lavadas e remidas pelo sangue do Cordeiro. E que este rio deve seguir crescendo até desaguar no oceano das obras que devem cobrir e abençoar o mundo até os confins da terra.
Este foi o plano de Deus desde Abraão, em que quem todas as nações da terra seriam benditas.
Me imaginar estando do lado direito ouvindo o "Vinde, benditos de meu Pai" não me deixa nada tranquilo se eu pensar que talvez a maioria ouça o "Apartai-vos de mim, malditos".
Gostaria que eu e você fôssemos cheio do amor e da compaixão de Deus diante da miséria para ouvirmos juntos a mesma frase.
Marcos Nunes
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